Quantcast
Channel: Fã do João Cláudio Moreno.
Viewing all articles
Browse latest Browse all 83

100 anos com Luiz Gonzaga, o Rei do Nordeste

$
0
0
Do site: http://www.acessepiaui.com.br/brasilia/100-anos-com-luiz-gonzaga-o-rei-do-nordeste/20321.html



 
João Cláudio Moreno é fã e intérprete de Luiz Gonzaga.

O humorista conduziu com o maestro Aurélio Melo, da Orquestra Sinfônica de Teresina, a Cantata Gonzaguiana, que abriu, no Salão Negro do Congresso Nacional, a homenagem do Senado Federal ao Rei do Baião, que completaria 100 anos no dia 13 de dezembro se não tivesse partido, como uma Asa Branca, no dia 2 de agosto de 1989.

Na plateia, o cantor Fagner acompanhou o pedido do humorista piauiense: "Digam comigo: Luiz Gonzaga vive!"

Feliz pronunciamento do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), pernambucano como Luiz Gonzaga:

...Enquanto um poeta não canta, enquanto o seu canto não chega ao povo, o país não existe.

É claro que o Nordeste pode ter sido muito mais trabalhado, na prática, desde Maurício de Nassau. Foi trabalhado, intelectualmente, por Celso Furtado, por Josué de Castro, por Gilberto Freyre. 

Mas, enquanto Luiz Gonzaga não fez seus poemas e suas músicas, que nos tocaram o coração, o Nordeste não existia. Eu digo Luiz Gonzaga simbolizando Patativa e outros poetas.

Luiz Gonzaga é muito mais do que de Pernambuco, é do Nordeste – é, portanto, brasileiro. 

Quem falou tudo mesmo, e não dá para tirar nem pôr, não foi um senador, foi o humorista João Claudio Moreno.
Na tribuna, na íntegra, o show de conhecimento e sensibilidade do maior conhecedor do genial Luiz Gonzaga:

































O Senador Inácio Arruda fez o dever de casa. O discurso dele foi uma tese de doutorado sobre Luiz Gonzaga. O Senador João Vicente fez um apanhado dos dados biográficos com alguns aspectos muito ricos da personalidade rica, fantástica, impressionante, fascinante, sedutora, que era o Gonzaga. O Raimundo Fagner foi muito sucinto. Em poucas palavras, disse tudo, com a sensibilidade, claro, é evidente, de um artista, de um seguidor, de um fã, de uma pessoa que trabalhou junto. Aliás, o primeiro disco de ouro do Gonzaga não foi “Eterno Cantador”, mas foi “Danado de Bom”, com a participação do Fagner. E depois do “Danado de Bom” é que vieram mais dois discos com o Fagner.

O Senador Mozarildo lembrou um aspecto importantíssimo da vida do Gonzaga que é a sua fidelidade maçônica, isso era uma das coisas mais importantes na vida dele. Ele fazia questão, considerava a Maçonaria um sacerdócio e tinha, no Brasil, uma ressonância imensa sobre os irmãos maçons, vivenciando, mesmo, os ideais de fraternidade, liberdade, igualdade, a curiosidade esotérica e essa solidariedade com aqueles que sofrem – isso era muito marcante, era um homem muito generoso.

Sobre o Senador Cristovam Buarque, fiz questão de colocar o chapéu de Luiz Gonzaga na cabeça dele, porque a sua fala deu o sentido que esta sessão tem. A sessão dentro do plenário do Senado é para dar a dimensão de uma atitude política neste Centenário do Gonzaga, hoje, no Brasil, dentro desta Casa, que centraliza, que simboliza as instituições democráticas e o poder das decisões que estamos tomando. Ouvir Gonzaga, conhecer Gonzaga, difundir Gonzaga, entender Gonzaga, ensinar Gonzaga é uma atitude política do Brasil, porque a obra dele está impregnada de aspectos líricos, telúricos, sociológicos, mas, sobretudo, políticos, ideológicos.

Então tenho a impressão, tenho a impressão, não, tenho a convicção de que o Luiz Gonzaga foi um gênio, e a minha definição pessoal de gênio não foi uma definição que tenha aprendido dos livros, mas foi uma definição pessoal minha: é que o gênio é alguém que não perde nem seu eixo, nem seu foco, nem suas raízes – esse é o gênio. Tive a oportunidade de conviver e de ver alguns gênios – Chico Anysio foi outro gênio, eu o conheci, trabalhei com ele, porque, embora tenha sido citado pelos oradores como cantor, na verdade, sou um comediante, um ator, canto, imitando Gonzaga, é um trabalho de ator, é um ator que canta, não sou cantor, para lembrar o Gonzaga.

Hermeto Pascoal foi outro gênio alagoano, com quem também convivi e conheci.

João Claudino, pai do Senador João Vicente, também o considero gênio. E os gênios são contraditórios. E essas contradições desses gênios são os aspectos mais fascinantes, na minha opinião, porque dão a feição modulada do que é a sua humanidade.

Essa instabilidade emocional, porque quanto é difícil administrar uma genialidade. Quer dizer, enquanto seres humanos, nós não somos perfeitos, mas somos persistentes.

Então, é importante registrar, no dia de hoje, que o centenário de Gonzaga surpreendeu a todos os gonzaguianos, porque nós acreditávamos que o Brasil tinha respeito e reverência pelo Gonzaga, mas nós não tínhamos ideia da dimensão da eternidade de sua obra e das perspectivas do desdobramento dessa obra dentro e fora do País.

O Amapá, o Pará, o Amazonas, a Bahia, livros, teses, shows, discos, espetáculos, pronunciamentos, filmes, entrevistas, documentários, programas, manifestações nos lugares mais obscuros, outros lugares mais notórios. Não se tem ideia do que o Brasil está fazendo este ano. Não se tem registro anterior similar de que um país como o Brasil, que tem uma memória muito enfraquecida, tenha feito a um artista, e isso para nós é muito importante. Isso é um resgate. Isso nos emociona. Isso nos deixa muito satisfeitos, dá-nos a ideia de que, evidentemente, o Gonzaga foi predestinado e, embora fosse um marqueteiro – que ele entendia muito de marketing -, fosse um instrumentista – porque ele fazia coisas muito originais com seu instrumento, fosse poeta, como ressaltou o Senador Cristovam Buarque, fosse cantor, ator, humorista, mas, sobretudo, o Gonzaga foi intérprete. Essa seria a síntese da sua personalidade. Ele interpretava os anseios, interpretava com originalidade, com realismo, com identificação imediata, com verdade. Era uma coisa impressionante o humor que o Gonzaga tinha!

Ernesto Paglia, certa vez, entrevistou-o – vejam que coisa genial: “Qual é a mulher mais bonita: a nortista ou a sulista?” Ele respondeu: “A nortista, da cintura para cima, é brejeira, é farta. Agora, a sulista, da cintura para baixo, pisa melhor, é desempenada e é linheira”.

Eu considerava o humor que ele tinha fora de série!

O Dominguinhos tem isso, também. O Dominguinhos tem um humor tão sutil, sutilíssimo, que, se você não estiver atento, você não pega.

Lá em Fortaleza, Fagner, uma vez, na casa daquele Ives Dias Branco, o Dominguinhos estava tocando de graça. E aí o Egídio Serpa chegou para ele – eu não me lembro quanto era o cachê porque o dinheiro já mudou, não era Real – e disse: “Olha, Dominguinhos, o homem aí disse que, se amanhã você for tocar lá na casa de praia dele, ele dá mil reais para você.” 

E o Dominguinhos, tocando, disse: “Deixa ele beber mais.” Essas coisas que só o nordestino tem.

O Ariano Suassuna disse: Olha, aqui nós temos humoristas por causa da necessidade de enfrentar a dificuldade. Na Suíça, onde tudo funciona, tem suicidas.

Um colega meu na Suíça, 3 horas da manhã (o Ariano falando com aquela voz), nevando, quis se lembrar do Brasil e cometeu uma desobediência civil – atravessar um sinal vermelho. Pois tinha uma veia num segundo andar, que anotou a placa. Óia que veia desocupada, anotou a placa.”

No outro dia, o homem foi preso.

O Ariano disse ainda: “Aqui no Brasil nós recebemos uma carta de uma amiga e dizemos assim: “Recebi sua carta, já respondi.” Não respondeu coisa nenhuma. A pessoa que mandou a carta sabe que você não respondeu. Você sabe que ela sabe que você não respondeu. Ela sabe que você sabe que ela sabe que você não respondeu. Você quer dizer que respondeu, mas está implícito o seguinte: ”Olha, eu quis responder, mas não deu tempo.” Na Suíça, se alguém me mandar uma carta e eu disser que respondi, eles vão processar, vão atrás dos correios.

Essa coisa que o brasileiro tem. Esse poder de sobreviver, de rir, de encontrar solução. Não é só o Gonzaga, somos todos nós.
Minha mãe tinha 12 filhos. Na hora do almoço, ela dizia: “Quem quer R$5,00 para não almoçar?” A gente dizia: “Eu, eu.” Quando era no final da tarde, ela dizia assim: “Quem quer dar os R$5,00 para comprar a janta?”

Contudo, quem teve a maior visibilidade foi o Gonzaga. O conteúdo do protesto social de Triste Partida é da cabeça do Patativa, mas quem pôde dar alcance e eco a essa poesia foi o Gonzaga. Ele dizia assim: “O meu grito vai mais forte.”

E ele teve a sorte, Fagner, caíram em sua mão os grandes compositores: o Humberto Teixeira. A genialidade da obra de Humberto Teixeria talvez não encontrasse a ressonância que teve se o intérprete fosse outro. Quer dizer, casou bem. Um José Dantas, um Miguel Lima, um João Silva, um Janduhy Finizola, de Caruaru, um Jurandir da feira, um Zé Marcolino, lá de Sumé, na Paraíba, um Zé Clementino, do Ceará.

O Fagner disse que ele realmente era cearense. De fato. Não há um brasileiro que não seja cearense. O Ceará se impõe de certa forma. Delmiro Gouveia é cearense, Padre Cícero é cearense, Antônio Conselheiro é cearense. Você vai ao Japão, vai a Tóquio, vai comer sushi num restaurante, e no Japão o sushiman é cearense. Aconteceu isso comigo. Eu fui a um restaurante em Tóquio, o sushiman era cearense disfarçado, não tinha a cabeça chata, não tinha nada, tinha o olho puxado e tudo, mas era cearense. E as três palavras que eu conheço em japonês são: arigatou, sayonara e ohayou gozaimasu. Quando eu disse arigatou, sayonara e ohayou gozaimasu, o cearense disse: “aí dentro, macho”. Ele era de Reriutaba.

O Gonzaguinha perguntou numa entrevista no gravador: “Papai, o Crato era tão importante para você quanto Exu?”. E o Gonzaga respondeu: “Muito mais”. Porque o Crato é a região cultural. Não é só do Araripe, do Cariri, o Crato era a região cultural formadora e radiadora. Você quer comércio, vai ao Juazeiro; você quer medicina, você vai a Barbaria, você quer cultura, você vai ao Crato. E o Crato tinha essa importância e tem até hoje.

Espalhado pelo Brasil, com atitudes assim que não estão integradas, atitudes individuais, há trabalhos que merecem ser registrados nessa sessão solene. O Sr. Reginaldo Silva, Presidente da Fundação Vovô Januário, que foi criada pelo próprio Gonzaga; o Gilson Oliveira, do Diário de Pernambuco; o Paulo Vanderlei, que mantém o site mais completo que um artista pode ter, com informações, nem Elvis Presley, nenhum artista internacional tem as informações. As informações são contidas na pesquisa séria, são anos e anos de pesquisa e de dedicação. Luiz Gonzaga é uma religião que une a gente, que une as pessoas. Ele não consegue morrer, continua eterno, continua vivo. Continuamos falando do Gonzaga como se ele estivesse aqui. É a mesma espontaneidade, a presença física, espiritual, é algo muito grande, é uma coisa muito impossível de traduzir aqui através do nosso idioma.

Nós traduzimos através do nosso sentimento, do nosso orgulho de ser nordestino e de ter a expressão do que somos nesses artistas maravilhosos que o Nordeste tem. Únicos. Os repentistas; você veja um Pinto do Monteiro desses. Pinto do Monteiro, a repórter disse assim: “Sr. Pinto, o senhor, que é semianalfabeto...” E ele: “Não, eu sou analfabeto mesmo. Semianalfabeto é a senhora, que estudou.” Olha que coisa... (Risos.)

Que coisa. O Patativa do Assaré, para quem, uma vez, eu disse: “Patativa, a poesia mais linda que você fez foi Triste Partida.” Ele disse: “Você conhece as outras pra você dizer isso?...” Nós, hoje, viemos do Piauí, porque também somos cearenses no Piauí. É uma sucursal... (Risos.) Nós, no Piauí, os artistas, os empresários e os políticos temos muito o que aprender com o Ceará, porque o Ceará tem um “siviródromo”, que é uma capacidade de se virar. Se 
o Ceará tivesse a água subterrânea que o Piauí tem, se o Ceará tivesse um rio de 1.200km perene, com 33 afluentes que não secam, o que o Ceará poderia fazer?

Há uma anedota que diz assim: se a União Soviética tomasse conta do deserto do Saara, sabe o que aconteceria? Em 40 anos, nada; depois ia faltar areia; mas se entregar para esse povo do Ceará, vira uma califórnia... 

Então, nós que somos uma sucursal do Ceará, os artistas do Piauí, que são muitos, que são grandes, que são puros, que tem uma fidelidade a suas origens, não puderam estar todos aqui, mas estão representados pelo maestro Aurélio Melo, que há 31 anos dedica sua vida a pesquisar, ensinar, difundir e divulgar a verdadeira música, e está aqui presente. (Palmas.)

Ele, para nós, é um artífice do desinteresse comercial; é apenas um instrumento... Apenas, como se a palavra apenas fosse adequada. É, sobretudo, um instrumento da manifestação de Deus nos homens, porque, para os verdadeiros artistas não interessa o quanto de fama nós temos, o quanto de público nós levamos ou quanto somos conhecidos, mas como nós nos apresentamos diante de Deus e do nosso semelhante, dignificando a nossa arte, que é dada e que é um dom de Deus. De outra forma, também viemos com a orquestra sinfônica.

A primeira vez que eu vi Luiz Gonzaga, eu tinha uns 5 anos. Já tenho 45 anos. São 40 anos de pesquisa, de sintonia, de empatia, de emoção. Eu posso dizer que dormi e acordei ouvindo Luiz Gonzaga todos os dias da minha vida, todos os dias. Aprendi todas as letras, todas as músicas, a ordem que está nos discos, as suas composições.

E o que é mais importante dizer para o Gonzaga, apenas para encerrar, a coisa mais importante que eu preciso dizer do Gonzaga é o seguinte: o centenário vai passar; o foco vai ser deslocado; mas o espaço que a mídia – o interesse dos que detêm o poder da informação – tem que dar à verdadeira cultura brasileira precisa continuar, porque nós estamos vivendo uma crise de muita decadência da nossa cultura genuína.

Já Catulo da Paixão Cearense – que não era cearense, era maranhense – foi o primeiro a levar o Nordeste para os grandes centros, na década de 20. Mas nós temos escondidas, num Brasil escondido, sob um diverso apuro, manifestações artísticas da maior qualidade, que precisam ter visibilidade. Talvez nunca vão ter um eco como a do Gonzaga, porque era um predestinado, único, especial, um gênio, mas que precisam ter certa visibilidade, que a saga do Gonzaga dá a cada um de nós.

Então, os meus agradecimentos ao Senador Inácio Arruda, que é um de nós, ao Maestro Aurélio, ao Deputado Osmar, ao Senador João Vicente, ao Fagner, ao Waldonys, ao Dominguinhos, ao Chambinho, aos que escreveram livros sobre o Gonzaga, teses, tantos livros, o Sanfoneiro do Riacho da Brígida, os repentistas, todos os pesquisadores, porque é impossível lembrar-me de todos, e posso cometer injustiças, e, sobretudo, ao povo brasileiro, que, sem querer, sem esforço, teve, em Luiz Gonzaga, seu intérprete e sua identificação mais imediata.

O dia de hoje vai ficar no Senado Federal, nos anais desta Casa, e para os que estão acompanhando na televisão, a nossa apresentação, ainda há pouco, com a orquestra, vai ficar, para nós, registrada como um momento de emoção, de dever cumprido. Reconhecemos a Pátria, o Brasil reconhece a necessidade de um Luiz Gonzaga e da perenidade de sua obra.

Muito obrigado a todos, e é isso o que eu queria dizer.
Orquestra Sinfônica de Teresina e João Cláudio Moreno levam a Cantata Gonzaguiana ao Congresso Nacional para a abertura da sessão solene em homenagem ao centenário de nascimento do Rei do Baião (fotos: Mauro Sampaio-Acessepiauí)


Viewing all articles
Browse latest Browse all 83

Trending Articles